Perante cada nova agressão jihadista na Europa, aumentam as “soluções”. É fácil inventar “soluções”: basta não ver o problema. E o problema é este: a Europa ocidental está a tornar-se parte do Médio Oriente e do Norte de África. Alguns argumentarão que foi sempre assim, sobretudo desde que os europeus dependem do petróleo e do gás do Golfo Pérsico. A novidade é a integração demográfica, através da migração descontrolada de milhões de árabes. Talvez fosse fatal: não é fácil estancar movimentos de população com desníveis tão grandes de prosperidade e de segurança, como os EUA aprenderam no México. Os governos europeus, o ano passado, desistiram de guardar as fronteiras. Hoje, parecem esperar que a Turquia o faça por eles. Ankara aproveitou para reabrir o seu processo de adesão à UE. Para que a Síria não chegue à Europa, a Europa tem de chegar à Síria. A Europa “europeia” acabou.

Durante algum tempo, vigorou a ideia de que, desembarcados em Paris ou em Bruxelas, todos os migrantes do outro lado do Mediterrâneo se converteriam em bons democratas, feministas e agnósticos. Não aconteceu. Os migrantes formaram guetos, e, com a ajuda da internet e dos subsídios dos Estados petrolíferos, desenvolveram na Europa identidades inspiradas pelas suas origens. Em França, usa-se a curiosa expressão “os territórios perdidos da República” para descrever os bairros que já fazem parte desse outro mundo. O “fundamentalismo” é apenas a manifestação mais virulenta dessa diferenciação. As democracias ocidentais tiveram como pressupostos uma população homogénea num território delimitado, e uma ideologia de progresso secular partilhada por todos os partidos, da esquerda à direita. Esses pressupostos estão agora em causa.

Não é impossível conceber instituições e estratégias para salvaguardar os valores liberais e democráticos numa Europa muito mais heretogénea, com fronteiras na Síria e ameaçada pelo terror. Israel permite, a esse respeito, alguma esperança. Mas é necessário encarar a possibilidade das alternativas.

Em 1999, os separatistas muçulmanos da Chechénia promoveram o terror nas cidades russas, fazendo explodir prédios inteiros. Morreram mais de 300 pessoas. A Rússia reagiu com a máxima brutalidade. Grozny, a capital da Chechénia, foi arrasada. Em Novembro de ano 1999, um governante russo assinou um artigo no New York Times, com o título “Why we must act”, para justificar a sua crueldade na Chechénia. Começava por pedir aos seus leitores americanos que imaginassem “cidadãos comuns de Nova Iorque ou de Washington a dormir nas suas casas. De repente, num relâmpago, eis que centenas morrem em explosões em Watergate ou num complexo de apartamentos no West Side de Manhattan. Milhares ficam feridos, alguns horrivelmente desfigurados. O pânico engole um bairro, depois todo o país”.

O autor desse artigo era o primeiro-ministro russo de então: Vladimir Putin. O seu autoritarismo plebiscitário teve muitas causas, mas a repressão do terrorismo foi uma delas. Nos anos seguintes, o novo “homem forte” fez mais: anulou a ideia de que a Rússia pós-comunista estava destinada a ocidentalizar-se. Neste momento, os governos ocidentais estão cercados eleitoralmente por admiradores de Putin, como Trump nos EUA ou Le Pen em França. Trump não pretende exportar democracia. Propõe-se matar as famílias dos terroristas, e banir a entrada de muçulmanos nos EUA. Se a insegurança aumentar, aumentarão os subscritores destas demagogias violentas. Frauke Petry, a líder da Alternativa para a Alemanha, pôs o seu partido nos parlamentos regionais depois de sugerir que a polícia disparasse sobre os migrantes. É verdade: os EUA e a Europa ocidental não são a Rússia. Mas a Rússia de Boris Ieltsin, há vinte anos, também ainda não era a Rússia de Putin.

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